domingo, 27 de maio de 2007

Stripper

Pra cima, pra baixo. Gelo seco. Tudo na memória, esse oco irreprimível. Pra cima e pra baixo. Seios descendo e subindo, tão único ponto de vista. O lábio vermelho uma nesga de fogo, incendiando os movimentos, riscando o ar com seus desenhos foscos. Pano de fundo: só a alvura, carnes harmoniosamente desenhadas. Descendo e subindo. Os olhos, profissionais, não fixam ponto, se perdem em qualquer vão, mais que memória: o próprio céu, imorrível. Sobe e desce, mãos. Percorrem sem desejo cada curva, cada côncavo, cada convexo. Perdeu a música e improvisou fermata. A dança arcângela pairou em sua vista já nublada. Há muito as vestes como pano de chão. Pés com salto, quase pregados, mantendo movimento livre. Pra cima, pra baixo, outras mãos, outros olhares, fixos. Brasa morrível, na tela só a projeção. O prazer morreu.

O movimento minimal se manteve noite a dentro: no corredor, no chuveiro, no corredor, na cozinha, no corredor, no quarto, no sono, no desejo. Nesta cama a solidão impera. Apenas, ao lado do espelho, um resquício de sombra. Uma estátua, à venda. Protegido do trovão, ele se esquiva e a verdade, só não é um projeto mais claro. Noite.

Ser mortal: ela se pergunta em sonhos, cumprindo sua função. Nestas outras planagens a dúvida não permuta, é uma só. Apenas cumpre o dever de existir. Acordar.

Quase noite, quase um não-acordar. Dormem ainda as pálpebras assombreadas. Reluz cada um dos lábios e cobram de novo ao mau-pagador o desejo de ser, e dormir.

Pra cima e pra baixo. Seria então o torpor da repetição? Dor percussiva, nesga primitiva. Aos pés a ponta de uma faca e o trovejante reflexo da vida. Não condiz, o brilho intenso do vermelho, lábios sedentos. Ali, o mundo acabou. A vista: uma projeção no transcendente. Mais um anjo caído, naquilo que não se sabe bem.