sábado, 8 de setembro de 2007

Num outro mundo

Clementine está ausente. Com a devida permissão, invado seu espaço...

NUM OUTRO MUNDO

O céu é um tabuleiro de xadrez. Gigantescas peças de mármore branco e preto (verde e bege ao entardecer) descansam placidamente imóveis de cabeça para baixo. Os pacotes de leite sobrevoam as árvores, parando aqui e ali para amamentar os filhotinhos-yakult nos ninhos de néon azul.


Dentro dos carros os cães dirigem em direção ao trabalho, as rodas dos autos girando no vazio sobre o teto enquanto o aço fagulha no chão de ferro preto que serve de estrada. Fumando seus cigarros de menta, braços apoiados com o cotovelo para fora da janela do carro, vira-latas ajeitam o chapéu, soltam a fumaça furta-cor e piscam seus olhos pretos para as poodles cor-de-rosa que passam pedalando bicicletas de asas prateadas.

Em cada esquina, o entroncamento em forma de oito mais quinze das ruas escuras acumula a sujeira da cidade: cabelos cortados, fraldas usadas, unhas, meias furadas, tudo se acumula em frente a bueiros que aspiram a água para cima. Quando o rio passa por ali, por acaso, em seu passeio de helicóptero, acaba arrastando tudo para a periferia onde gordas pessoas brancas separam o que se recicla (areia sanitária, restos de ração, coleiras quase novas, tudo se aproveita). No lixão, terno-e-gravata Armani e tênis Nike disputam a comida com rubras caixinhas do McDonalds e esculturais garrafas de vidro Coca-cola.

No centro comercial, onde os pássaros se encontram para discutir ufologia e psicanálise em aconchegantes cafés-com-leite, as flanelinhas alaranjadas se oferecem para polir os bicos em troca de um alvejantezinho qualquer, que porventura esteja sobrando em algum bolso sob a asa dos nobres pombos-correio-eletrônico. Pequenos spams andarilham tentando furtar algum desavisado.

Dentro dos táxis à espera dos clientes, os gatos penteiam os bigodes, brincam com alguma bolinha de papel, lambem-se entre as pernas, mordiscam pipoca ou ração da banquinha da praça. Quando chega alguém atrasado, apressado, fecham o envelope, colam o selo e partem em alta velocidade em direção à rua tal número tal.

Por trás dos portões de ferro em brasa das casas de tijolos-de-bala-de-menta, com os olhos desejosos de liberdade, choramingando enquanto olham os cães na rua, as pessoas se assentam sobre as patas traseiras abanando os bolsos da calça jeans. Esperam ansiosas os seus donos para lhes trazer um DVD quadrado ao molho branco, um mimo, um pequeno presente ao fim do dia. Quando muito, ganham um afago, um pequeno tapinha das patas de unhas pretas dos dober-man de chapéu.

Ao fim da noite, todos acendem as luzes e vão dormir.

Postado por Spotless Mind