sábado, 19 de maio de 2007

Confissão Tardia

Ontem confessou muito tarde. O erro já havia. O padre dormido, tão pecador, penitente, parou. Ouviu. Confissão ardente. Uma lenha vermelha e um sopro. Há quanto tempo? Ela tremia, tão jovem, já na velhice precoce, nem um sopro do próprio sopro que erguia.

Seu primeiro sexo uma curiosidade científica. Tinha aceitado o beijo quase como uma imposição dos sentidos. Deixou-se beijar, beijou só pra vir mais. As mãos, tão másculas, desciam mais e pousavam. Cansou-se no segundo mês, queria agora experimentar o amor. Então ela o farejou, a primeira vista já de uma decisão tomada. Amar: agora ou nunca. E se entregou.

Primeiro o baile de debutante: aquela vida outra, a fantasia. Ele, tão velho, tão velho, como o desgaste do que muito amou. Amou-a. Experimentou-a também. Era chegada a hora. Velhice e juventude. Amor a tempo.
Mais eis o primeiro agasto. Infortúnio. Ela ainda persistiu. Doce ainda era o sabor do amargo. O amor tudo agüenta, desde que se o pratique enquanto se experimenta.

E ainda achou que não saberia falar sobre. Todo turbilhão costuma ser seguido de silêncio, ou mudez. Aquilo tão corrosivo, guardado. O padre parou. Não havia sabor naquelas palavras, se o tinham, era só naquele passado, que ele não pudera ter.

Ela e o padre disseram em silêncio o inevitável: estavam velhos, como o amor velho. E penitência apenas o continuar. Desejo de padre agora só um outro porvir, melhor. Palavras soltas, assintáticas, frouxas. Como o desejo de uma velha vizinha.

Ainda se mesclou o perfume da blusa e o ranço da madeira gasta de igreja. O padre teve um breve compasso de estalos. Ela na rua. Nem sabia porquê. Amor velho fica em gaveta, a última. Ele saiu do confessionário. Tinha por vir uma missa. Desembrulhou as palavras e guardou as outras para depois. Nem um rumor sequer. A noite chegou e cumpriu o pacto, brisa morna, apatia.