segunda-feira, 21 de maio de 2007

Último Movimento

Um a um os pés desaparecendo. As pessoas parecendo dançarinas etéreas. Mas não demorou muito, e os rostos se esfumaçando no vazio. Aos poucos até os sons da música e dos passos desapareciam. Menos o dele. Menos o meu. As mãos sincronizadas numa música superior e, a cada rodada, um flerte de roupas. Um leve empurrão em minha cintura. Será a tontura dos giros? E ele já crescia e unificava todos os homens no seu espírito. Um homem. O mundo se diluindo, parando de girar. Só aquela pista e aquele homem. Um sorriso de leve, por quê? Aquele homem, tão difícil de decodificar. Dançou lentamente a música ritmada. Transformou semicolcheias em mínimas. Transposição perfeita, o resto das notas batendo em mim, e nele. Dentro de mim: uma bateria, notas em excesso e pulsação. O cantor quase se materializou e transpôs a fina barreira entre a minha respiração e o seu calor. O clímax. Uma balada. Entrou uma negra americana, minando os baixos, sonindo a bateria. Eu, caindo, último rodopio, no movimento daquele lamento. Caída eterna. Até esbarrar no impossível de suas mãos prontas. Eu desmaio. A lembrança, todo dia, martelando. O beijo derradeiro e único se esfumaçou. Maestria: vou até o chão. Pés lentos, um a um, materializando. Pessoas, chãs dançarinas, risadas, toda fumaça. Aplausos e o celular tocando. A esposa em trabalho de parto. Blues chorando.